A Vida Leva e Traz, de Darcel Andrade, película e dvd, 18 min.
O filme mostra a solidão de dois personagens que se amam e vivem uma questão cruscial no seio da família: solidão e afeto. Os conflitos dos protagonistas se revelam com poética e suavidade; a mãe, de ser ou não abandonada pelo filho, que também vive o conflito de abandoná-la, mediante às conquistas profissionais fora do Brasil.
Uma história pertinente para se discutir temas geradores como o abandono do idoso pelos familiares, sua solidão, o amor desprendido por toda a vida aos seus queridos e quando chega ao fim da vida aparece o fantasma da solidão; temas transversais também podem ser trabalhados como as questões psicológicas do cuidador, aquele que cuida do seu idoso, sua [não]preparação, desprendimento e disponibilidade.
De forma implícita, aparecem no filme outros assuntos como a aposentadoria, as políticas públicas voltadas para essa demanda social, o estatuto do idoso, o cuidador ou cuidadora de idosos e outros correlatos. A direção é do cineasta paraense Darcel Andrade, que assina também o roteiro.
Crítica: O filme é coerente em sua narrativa, lenta como o caminhar de um idoso; traz para nós uma leitura lúdica de uma situação humana que é universal, ou seja, a nossa velhice. Ao assistir a essa obra, vê-se uma chaga no poder público de poder abrigar todos os idosos em seus programas de aposentadoria daqui a uns trinta ou cinquenta anos, quando o Brasil deixará de ser um país de jovens para ser um país de velhos, segundo o sociólogo Professor Doutor Dirceu Nogueira, autor do livro A invenção da velhice. Segundo o sociólogo, se não tivermos políticas públicas arrojadas e direcionadas a amenizar essa inevitável condição que nos espera, se chegarmos lá, difícil será a vida do velho.
Ainda que que exija grandes aparatos técnicos na produção de um filme, o A Vida Leva e Traz nos dá uma lição de como fazer um cinema artesanal, com traquitanas feitas de mangueira d'água para fazer chover em trovoadas e relâmpagos pela vidraça da janela na cena da cozinha, metáfora do drama que se inicia, quando Dona Rosa [Raimunda Ribeiro] é abandonada pela cuidadora Fátima [atriz do teatro pernambucano].
Surprendente é tomarmos conhecimento de que o roteiro original deixou de ser um documentário para ser uma obra de ficção, depois que o diretor foi expuldo de um asilo acusado de provocar choro em uma das velhinhas hóspedes na sua pesquisa inicial. Esse fato é inusitado para quem escreve sobre cinema e se depara com uma história bem peculiar de um diretor iniciante.
Pelo que sabemos, nessa entrevista, o diretor ligou a câmera e perguntou: "Se esta câmera fosse o seu filho, que apareceu agora na sua frente, o que a senhora diria para ele?" A velhinha falante, já em cena, silenciou diante da equipe de produção e dos funcionários do asilo que acompanhavam os trabalhos; sem dizer nada, a velhinha falava com os olhos, o coração, e a emoção veio à tona em gotas abundantes de seus olhos, um drama testemunhados por todos os presentes, que também emudeceram diante da pergunta e da reação da senhora negra e cheirosa, mas carente de afeto, de amigos, de família. Ela estava lá, em meio a tantas outras criaturas forjando alegria de viver em datas comemorativas, um esforço para não sucumbir diante do descaso.
Voltando ao filme, produzido com muita coragem e sabedoria, podemos dizer que é um recorte de uma realidade presente em nosso cotidiano. O diretor resolveu então partir para a ficção, temeroso em divulgar imagens de idosos e idosas sem o consentimento das ausentes famílias, ensaiou atrizes veteranas do teatro pernambucano, e realizou o ciclo de entrevistas com depoimentos emocionantes, baseados na experiência vivenciada no promitente documentário.
Se um experiente olhar técnico denunciar qualquer deslize na falta de qualidade na produção de imagens, as fortes cenas valem por sí só; o colorido inicial do filme foi tirado para não fricar as linhas do azulejo da cozinha onde Dona Rosa faz sua refeição, para dar lugar à fotografia em preto e branco, fazendo juz à relação imagem e conteúdo, pois, a vida da maioria dos idosos no Brasil não é cheia de cores.
Na imagem acima, o filho beija sua mãe em momento de afeto, mas o destino revela surpresas para ambos. O filme foi rodado em Recife, Pernambuco, captou recursos em Belém do Pará [Banco da Amazônia], e finalizado em São Paulo.
Mídia para captar recursos. Jornal O Liberal [2002].
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