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quarta-feira, 21 de setembro de 2011
O crescimento do Cineclubismo por Élida Aragão
Postada em 25/03, 13hs...  
Entrevista  a Élida Aragão – 23/3/2011, no quadro de sua monografia no curso de  Comunicação Social/Jornalismo, Faculdade São Luís, São Luís, MA  
         As  questões que se seguem são muito interessantes e bastante abrangentes.  Nos limites de uma quase correspondência, minhas respostas são  extremamente resumidas, sintéticas, simplificadas, portanto um tanto  esquemáticas, omitindo aspectos, nuances e outras características que  nos casos concretos fazem muita diferença. Algumas respostas remetem a  trabalhos mais extensos que desenvolvi; outras se misturam um pouco,  ligando mais de uma pergunta.  
Qual sua concepção sobre o cinema, enquanto Instituição, espaço da coletividade?  
         A historiografia atual reconhece o cinema como instituição e  o denomina justamente assim – e, o fazendo, distingue esse cinema das  formas anteriores, “primitivas” (segundo Noel Burch) ou “de atrações”  (Tom Gunning, André Gaudreault, etc) – a partir do início da segunda  década do século XX e da institucionalização, padronização e  hegemonização de formas e modos de produção, expressão, recepção. O  cinema-instituição seria praticamente identificado com o modelo de  cinema hollywoodiano, dominante a partir dessa época um pouco indefinida, por volta de 1914, uns anos a mais ou a menos.  
         O  problema que vejo nessa compreensão é que ela meio que estabelece ou  sugere um domínio estável e permanente do referido modelo, pelo menos  até depois da segunda guerra mundial, senão até hoje. De certa forma, o  cinema-instituição passa a ser o próprio cinema, ainda que estivesse  implícita a destruição de formas alternativas de expressão audiovisual.  
         Eu  penso que o cinema é fundamentalmente uma relação social, uma tensão  sempre renovada entre a criação e a recepção, mediada pelo modelo  econômico e social. É indiscutível que existe um cinema hegemônico,  justamente instrumento de dominação e fabricação de consenso ideológico,  e que se identifica aproximativamente em formas estéticas e em modelos  de produção e de recepção institucionalizados, fundamentalmente no plano  do mercado. Mas essa superestrutura é contraditória, dialética; sempre  existem modelos alternativos que apontam para a superação desse padrão  dominante. E essa antinomia é a expressão de uma contradição básica  essencial, entre as classes sociais fundamentais, pelo domínio e  direção da sociedade, e que faz parte de todas as etapas do processo do  cinema e do audiovisual. Assim, o público (a forma contemporânea do  proletariado, isto é, dos que não têm acesso aos meios de produção e  representação audiovisuais) está presente em todos os momentos,  especialmente da criação (até porque só o trabalho cria; o capital não:  ele organiza e distribui): a hegemonia não é um estado permanente e  estável, mas um processo contraditório.  
         O  cinema-instituição se apoderou do mercado, mas paralelamente  continuaram as vanguardas, os cinemas nacionais, as formas de  resistência do público – das quais o cineclube é a instituição mais  estável e generalizada. Dentro de cada filme essa dialética está  presente, geralmente pela temática e narrativa ligada aos interesses do  público, mas “controlada” pela orientação ideológica do Capital que  controla a (maior parte da) produção. Mesmo os filmes hollywoodianos  frequentemente retratam as corporações, os grandes financistas, o  imperialismo, o racismo, segundo uma espécie de senso comum (ou bom  senso) popular que é nitidamente anticapitalista. Mas, ao final, a ordem  e a harmonia são recuperadas, em  edificantes happy endings, preservando “o único sistema possível”.  
         De maneira muito resumida, o estabelecimento do cinema-instituição, o predomínio do modelo hollywoodiano,  se deu justamente no quadro de uma luta muito concreta em que o público  teve que ser coagido (censura, normas, etc), controlado (leis, estímulo  à freqüência de segmentos mais abastados, “lanterninhas”, etc) e  finalmente convencido (longa-metragem de ficção linear e literário).  Essa batalha se deu principalmente entre o estabelecimento das salas  fixas e o final da primeira guerra mundial, com a instauração inicial do  controle do mercado mundial pelo cinema americano.  
         Durante  essa batalha é que surgem os cineclubes, que vão se tornar os  principais núcleos de resistência e de produção de outras instituições  do público contra as estruturas do capital: vanguardas, crítica, cinemas  nacionais, cinematecas, festivais de cinema, etc.  
Segundo  dados do IBGE/2008, somente 13% dos brasileiros vão ao cinema, e de  forma esporádica. Na sua opinião, isso se deve a quê?  
         Estou te enviando meu texto O Modelo do Cinema Brasileiro (publicado como O Modelo Brasileiro: um estrangeiro em nossas telas, em Moraes, Geraldo (org.) 2008. O Cinema de Amanhã – Brasília – Congresso Brasileiro de Cinema, Coalizão Brasileira  pela Diversidade Cultural), que pretende ser uma resposta a esta questão.  
A desigualdade social é determinante para afastar o público do cinema? Por quê?  
         Como disse, esta questão está tratada com mais profundidade no ensaio O Modelo do Cinema Brasileiro.  Modelo que é, na verdade, mundial, e o texto procura mostrar a maneira  como o Brasil (e praticamente todo o Terceiro Mundo, sem grandes  diferenças) se enquadra dentro dele. Para dominar o mercado mundial do  audiovisual, com o ciclo de “janelas” de exploração dos produtos  (cinema, vídeo caseiro, TV a cabo e TV aberta), Hollywood estabeleceu um  modelo de custo elevadíssimo – que só se paga, justamente, na escala  que apenas a indústria de Los Angeles  pode explorar. Dentro desse padrão, o custo do ingresso de cinema é  alto demais para o poder aquisitivo da maioria da população dos países  menos desenvolvidos – o que não tem importância para o negócio, pois  esses públicos entrarão em outras etapas do mercado. Mas é isso que  exclui cerca de 90% da população brasileira do acesso ao cinema e  percentuais até mais altos, chegando mesmo virtuais a 100% em certos  países africanos onde praticamente não há mais salas de cinema.  
         No  texto mencionado, mostro que nem sempre foi assim. Dos começos do  cinema – que são essencialmente populares, de operários e imigrantes -  até os anos 70, a estratégia foi outra e o ingresso era cerca de 20%, ou  mesmo menos, do preço atual, gerando um modelo de consumo generalizado e  popular.  
         Com  o modelo atual, a maioria do público não está apenas afastado do acesso  às salas, mas também ausente das objetivas, das histórias, narrativas  (exceto como exotismo ou horror), dos estilos. E das políticas públicas.  
Na literatura sobre cineclubismo se fala em prática cineclubista e movimento cineclubista, o que os distingue?  
         Literatura  sobre cineclubismo? Você é bem otimista. Eu também sou, e acredito que  estamos perto de começar a constituir uma, por causa de uma nova geração  de pessoas interessadas, como você.  
         Movimento cineclubista designa a dimensão coletiva, integrada, da vontade e ação dos cineclubes em um determinado espaço e momento. Movimento,  não é? Infelizmente são muito comuns, praticamente em todos os países  onde existe cineclubismo, os períodos de desarticulação – em que os  cineclubes diminuem extraordinariamente em número sem, no entanto,  desaparecerem – intercalados com momentos de grande atividade, unidade e  intervenção na realidade do cinema e da sociedade.   
         Exemplos  de grandes momentos de movimento cineclubista são a década de 20 e o  pós-II Guerra, na Europa; ou os anos 50 e 60, e a resistência à ditadura  entre os anos 70 e começo dos 80, no Brasil. Por outro lado,  coincidindo com a chamada globalização, nos últimos 20 anos do século  passado, praticamente em todo o mundo houve um grande refluxo do  movimento. É preciso, no entanto, ver com certo distanciamento esses  exemplos mais óbvios, tanto num sentido como no outro, pois o  cineclubismo é muito marginalizado pelos meios de comunicação e pelos  ambientes acadêmicos, além de ser uma atividade essencialmente coletiva,  que raramente revela “grandes nomes” para o interesse convencional das  mídias e outros  observadores. A história do cineclubismo – e do público - está toda por  pesquisar.  
         Acho que práticas cineclubistas designam as atividades típicas de cineclubes. Christophe Gauthier (La passion du cinéma – cinéphiles, cinéclubs et salles spécialisées à Paris de 1920 à 1929 – Paris : Association française de recherche sur l’histoire du cinéma – 1999) fala no conceito de protocolo cinéfilo  e o livro de Antoine de Baecque, A Cinefilia,  recém lançado no Brasil, também propõe uma classificação de atividades,  e mesmo de comportamentos e rituais, para se estudar o que eles chamam  de cinefilia (que eu considero um conceito elitista, que não se confunde  com cineclubismo; mas isso já é outra história). Mas, nessa linha de  classificação, haveria certamente uma espécie de protocolo cineclubista,  com práticas que surgiram da atividade cineclubista e são geralmente  associadas aos cineclubes: o associativismo, as apresentações antes  dos filmes, o debate, as publicações, as fichas de filmes, as sessões  semanais, entre muitas outras. Mas a verdade é que quase todas essas  “características” eventualmente deixam de estar presentes, não são  praticadas (ver, sobre isso, O que é cineclube, em http://cineclube.utopia.com.br/, e Hegemonia e Cineclube, em http://www.felipemacedocineclubes.blogspot.com/).  Hoje, no Brasil, há uma sensível mudança, que eu penso ser provisória e  conjuntural (mas posso estar errado) e se dever à forte subordinação  das iniciativas cineclubistas ao Estado, aos interesses dos realizadores  individuais (em oposição à produção cineclubista, coletiva e  despersonalizada) e, em última instância, ao individualismo e  empreendedorismo que decorrem da ideologia do capital. Nesse quadro  quase desapareceram o associativismo como base de autonomia do cineclube  e diversas práticas coletivas dentro do cineclube (alguns cineclubes  alienam, ou privatizam sua própria programação – atividade justamente  coletiva e democrática - a “curadores”, por exemplo. Mais adiante  falaremos da “programadora” do Estado). O elo de unidade de ação  nacional é hoje extremamente tênue e fortemente centralizado. O modelo  de movimento, justamente, mudou, com raras instâncias de reunião, debate e ação comum dos cineclubes. O que não acontece em outros países.  
         Também  expressão deste quadro, houve uma certa tendência a se falar em  “práticas cineclubistas” em qualquer contexto (por exemplo,  desenvolvidas por entidades como SESC ou prefeituras) no momento em que  aconteceu o embate entre uma concepção do cineclubismo como  essencialmente democrático e coletivo e a idéia de constituir (apenas)  um circuito de exibição para o cinema brasileiro, em particular para o  curta-metragem, no uqardo da instalação do programa Cine+Cultura, do  ministério da Cultura. Esse conflito resultou no meu afastamento (início  de 2009) da direção do movimento e da coordenação dos conteúdos da  formação (oficinas) oferecida pelo Cine+Cultura, inclusive com a censura  integral de um  manual cineclubista que eu escrevera sob encomenda do Conselho Nacional  de Cineclubes (veja minha carta de renúncia em http://felipemacedocineclubes.blogspot.com  ). Depois disso a discussão desapareceu e hoje se estende o conceito de  cineclube, de forma bem liberal – e o adjetivo é bem preciso –, a quase  qualquer prática de exibição. Um exemplo recente foi um esboço de  mobilização em defesa de um “cineclube” oprimido pela prefeitura de uma  pequena cidade, que depois demonstrou, constrangedoramente, tratar-se de  uma querela local entre um funcionário municipal - que era o  “cineclube”, isto é, sessões de cinema oferecidas pela prefeitura – e a  administração municipal, descontente com  o desempenho do servidor público.     
Qual a principal diferença do cineclubismo de ontem para o de hoje?  
         Esta pergunta é muito genérica. Há vários ontens e vários hojes, e em diversos aquis, em diferentes partes do mundo. Nos anos 80 (O Movimento Cineclubista Brasileiro,  CC Fatec), esbocei uma idéia de trajetória de crescente democratização  na história do cineclubismo no Brasil. Resumindo brutalmente: no fim dos  anos 20, o Chaplin Club começou como uma iniciativa das grandes elites  da Capital Federal que, entretanto, trouxe pela primeira vez um sentido  real de cultura cinematográfica para o País. Nos anos 40, o Clube de  Cinema de São Paulo já era uma iniciativa mais aberta (mas que ainda  fazia alguns debates em francês...) e que embasou uma difusão muito  grande do cineclubismo pelo Brasil  todo, nos anos seguintes. A Igreja, nos anos 50, expandiu ainda mais o  cineclubismo, ainda que o mantendo sob sua rigorosa tutela. No fim dos  anos 50 e começo dos 60, a politização da pequena burguesia estudantil  generosamente já tentava “levar a cultura para o povo”. Mas foi nos anos  70 que o cineclubismo brasileiro tornou-se principalmente expressão das  maiorias, organizando-se nos bairros e junto a movimentos populares,  sem intermediações ou tutelas.    
         Atualmente  é essa tradição que anima, senão a maioria, pelo menos uma grande parte  dos cineclubes em suas experiências concretas, no plano local. Mas acho  que essas práticas transformadoras não se coordenam nem se expressam  num plano mais amplo, mostrando que a trajetória a que eu me referira  não era uma “evolução” determinista. Hoje há uma espécie de retrocesso: a  direção política do movimento é muito dependente do Estado, subordinada  à produção do curta-metragem e aos “setores médios” da população. De  certa forma, de volta à ação de “levar filmes”, paternalisticamente, “ao  povo”. Mas, como já disse, há um número muito significativo de ações  criativas, inovadoras e efetivamente  populares efervescendo em todos os cantos do País – só que sua voz não  se expressa ainda efetivamente como um movimento renovador do cinema e  da sociedade, mas mais como um circuito complementar da produção e de  programas governamentais.  
O cineclubismo atual tem um caráter mais inclusivo?    
         Como  disse mais acima: não. Embora haja numerosas experiências fascinantes  de inclusão das comunidades nas incríveis oportunidades que oferece a  tecnologia digital, o traço médio, geral, do cineclubismo brasileiro é o  de viabilizar a exibição da produção de curta-metragem, a qual não tem  força para reivindicar os mercados principais.  
         Isso  é conduzido sob um discurso “progressista”, sem dúvida, de defesa dos  “direitos do público”, mas na prática reduz esses direitos apenas ao  acesso aos filmes, não ao protagonismo do público nas políticas de  cinema e cultura. Eu não conceituaria isso como inclusão, exceto numa  acepção muito restrita, meio mercadológica (ainda que as estatísticas  também sejam muito modestas).  
         A  deturpação dos princípios (de defesa dos interesses do público) leva,  inclusive à falácia da própria idéia restrita de acessibilidade.  Recentemente a Programadora Brasil divulgou dados de sua atuação no  último ano. Atingiu um público de 200.000 pessoas, entre abril de 2010 e  março de 2011, trabalhando com mais de 1.000 pontos de exibição. Isto  significa um público anual de cerca de 200 pessoas por ponto de  exibição, ou menos de 20 espectadores por mês - com sessões semanais! É  cerca de um décimo do público dos festivais de cinema, que ocorrem uma  vez por ano e são pouco mais de uma centena em todo o Brasil. Equivale  também a mais ou menos 0,15 por cento daqueles 10% da população que vão  ao cinema (110 milhões de  ingressos/ano). Eu penso que sessões que atraem estatisticamente (o que  é uma mera abstração) 4 ou 5 pessoas em média por semana podem muito  provavelmente ser conseqüência de uma programação dirigida de fora para  dentro (não é à toa que a distribuidora estatal se chama Programadora),  de acordo com interesses (gostos, inclusive) que não são os das  comunidades em que são realizadas. É claro que a isso se soma a  precariedade das exibições, sem conforto e qualidade, que correspondem  ao padrão decorrente do projeto e do material distribuído pelo Estado,  como menciono a seguir.  
Seu olhar sobre as políticas públicas de incentivo à atividade cineclubista no Brasil.  
         Na  Venezuela, a grande maioria dos cineclubes foi substituída atualmente  por “salas populares” coordenadas pela Cinemateca nacional, que orienta  sua prática, escolhe e programa os filmes. É um modelo com aspectos  positivos, mas fundamentalmente autoritário (paternalismo e  autoritarismo são expressões da mesma subalternidade reservada ao  público); o Estado substitui a iniciativa popular. Estatiza a iniciativa  popular – e essa foi uma das causa mortis dos governos socialistas, nos anos 90 do século passado.  
         Guardadas  as proporções – o Brasil tendo uma situação política geral  simultaneamente mais conservadora, mas também mais liberal – é o que se  está tentando implantar no Brasil. Talvez meio como farsa. O Estado  venezuelano tem um projeto político nacional, também com traços de  autoritarismo, e um ambiente político-social extremamente polarizado, em  termos de classes, que se expressa também nessa política que poderíamos  identificar como “cineclubista” (mas que não o é). Já os projetos do  nosso MINC não são propriamente do Estado, que os viabiliza (também  través da Cinemateca), mas de um segmento que hegemonizou aquela área:  os chamados curta-metragistas ou abedistas. A brasileira Programadora Brasil não  escolhe os filmes diretamente, “apenas” seleciona um corpus, um repertório de filmes, e estabelece regras rígidas para sua exibição (limita o número de filmes e sessões, combate a itinerância das  projeções, entre outros exemplos). O programa Cine+Cultura, que  distribui equipamento básico de projeção, descaracterizou a formação dos  animadores locais em detrimento da integração ao sistema  estatal. De forma mais mediada que na Venezuela, há um direcionamento  para a exibição de curtas-metragens selecionados pelo governo, a partir  de uma estrutura paupérrima (para não retirar recursos da produção) que,  na maioria dos casos, não se estabiliza e não tem condições autônomas e  permanentes de se sustentar. Reproduz e eterniza a dependência do  “Estado” – que no Brasil está mais para “governo”, podendo suspender seu  frágil apoio a qualquer momento, até por mudanças superficiais na  gestão das  instituições governamentais.  
         Mas,  como na Venezuela, é melhor que nada. Ou não? Mesmo tendo um espaço de  expressão maior, as entidades cineclubistas brasileiras não questionam  em nada essas políticas (sequer demandam melhorias ou mais recursos),  levadas totalmente a reboque pelas iniciativas do Estado e da produção.  
É  possível utilizar o cinema, por meio da prática cineclubista, como  forma de inclusão cultural e mudança social de uma comunidade? Se sim,  de que forma?  
         Cinema  é uma termo polissêmico. A gente pode ir ao cinema, pensando  principalmente na sala, mas também na metáfora das sensações que um  abstrato cinema nos proporciona através de cada filme concreto.  
         Esse  processo geral e abstrato do cinema é determinado por relações sociais,  estas sim concretas e muito variadas. O cinema não é progressista ou  conservador, não muda nem conserva nada. As relações entre filmes  concretos e espectadores concretos podem fazer isso. E estas podem se  dar dentro de um sistema de relações (econômicas, políticas,  psicológicas, etc) montado para privilegiar determinadas relações  sociais e suas manifestações no plano ideológico; é o que o conceito de  cinema-instituição descreve ou o que chamo de “modelo de cinema” em cada  lugar e conjuntura.  
         Diz-se  que a atmosfera relaxante, a obscuridade das velhas salas de cinema  contribuíam para a identificação com um universo fictício e geralmente  destituído de contradições; ou que o ritmo frenético de planos curtos  dos efeitos especiais concorrem para a distração e alienação. Na linha  saudosista, eu mesmo ouvi um monte de depoimentos de pessoas que  “descobriram um novo mundo” nas sessões do cineclube da sua cidade ou  comunidade, fora dos horizontes estreitos promovidos pelo cinema  comercial e pela “sociedade” local. Os cineclubes muda(ra)m as vidas de  muita gente.  
         Mas  o mais importante é que os cineclubes são organizações do público,  instituições do público organizado. São seu instrumento político, no  sentido mais amplo possível – que vai do sentido gregário (pólis) à  disputa do poder – para participar e influir decisivamente no processo  do cinema. Hoje em dia, dado o modelo de que falamos, essa participação  inclui a também a noção de acesso, dificultada pelo status quo. Mas não se limita a ela, ou não deveria.  
         Os  cineclubes não são um segmento corporativo do cinema, como a produção, a  distribuição ou a exibição, entre outros. Ainda que organizações  políticas e representativas, não são uma representação de interesses  econômicos e/ou profissionais determinados, mas sim das necessidades difusas  do público, da comunidade, em torno do audiovisual. E este é suporte,  meio, mediação, etc. Os cineclubes são um segmento da sociedade, um  movimento social, não uma “classe” profissional. Isto já estava  implícito quando Louis Delluc cunhou o termo cineasta, no começo do século, referindo-se não ao autor ou artista colocado num pedestal, mas ao praticante de cinema integral: espectador crítico, produtivo e  criativo. Ou, parafraseando Gramsci, “todo homem é artista, mas apenas uns poucos assumem esse papel n(est)a sociedade”.  
                   Ora, o principal meio  de, justamente, mediação das relações sociais no plano simbólico é hoje  o audiovisual (do cinema à internet, passando pela TV), que atinge,  aproxima, e busca integrar e controlar praticamente a totalidade da  população mundial. Quando falamos em público estamos nos referindo ao  que os teóricos cineclubistas italianos dos anos 70 (Filippo Maria de Sanctis, Fabio Masala) chamaram pela primeira vez de “proletariado  moderno”: o conjunto dos desprovidos dos meios de produção e representação simbólicos (ver também Beller, Jonathan. 2006. The Cinematic Mode of Production: Attention, Economy and the Society of the Spectacle. Hanover: Dartmouth College Press).  
         O  cineclube é a única instituição estável, permanente e generalizada  criada até agora com o escopo de organizar e representar esse público  audiovisual. É evidente que os cineclubes são fragilíssimos (mas o  próprio movimento sindical não é hoje uma sombra de seu papel em  ocasiões pretéritas?) – exceto em alguns momentos históricos -, mas  constituem o modelo institucional e organizacional do público, encarnam  essa potencialidade de superação da alienação constituinte e disseminada  pelo modelo comercial, capitalista, de cinema e de audiovisual. Os  cineclubes são o embrião unificador do processo cinematográfico a partir  do público, isto é, da  totalidade da população explorada e alienada pelo Capital e pelas  classes sociais a ele associadas.  
         Em  determinados momentos históricos, os cineclubes crescem em importância e  força, transformando concretamente não apenas o cinema (o neo-realismo  italiano, a onda de nouvelles vagues, cinemas novos – incluindo o  brasileiro -, cinemas-verdades do pós-guerra são todos originários do  movimento cineclubista – assim como a maioria dos cinemas nacionais dos  países menos desenvolvidos), mas toda a sociedade, sendo parte de  processos de democratização e de justiça social que geralmente  acompanhavam (ou vice-versa) as renovações dos cinemas.  
         Num  quadro em que o audiovisual ocupa papéis cada vez mais importantes nas  relações sociais, a potencialidade do cineclubismo – e de novas formas  de cineclubismo - como movimento representativo do público só cresce.     
         E  é importante lembrar que, por suas contradições internas – que o  definem – o modelo hegemônico de cinema abandonou a exibição em salas de  cinemas como seu principal instrumento de difusão, levando a esta  situação de exclusão da maioria quase absoluta das populações de países  menos avançados, como o nosso. Penso que mais que os aspectos negativos  associados a esse quadro, essa condição constitui uma real oportunidade  de ocupação de espaços sociais e do imaginário por parte do público. Os  cineclubes pode(ria)m ocupar esse espaço de 90% ou mais da população que  já não conhece cinema, a não ser as produções americanas mais recentes,  em telas mínimas, entremeadas de interrupções publicitárias.  
         Para  quem, como eu, acredita que as transformações sociais decorrem da  tomada de consciência dos excluídos e de sua capacidade de formular e  expressar sua visão de mundo, o cineclube é virtualmente o ambiente,  ferramenta e arma para desenvolver essa auto-consciência do público.  
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