sábado, 11 de maio de 2013

A VEDAÇÃO A verdadeira história de uma família que desafia uma nação

por Darcel Andrade


Racismo institucionalizado, cultura em processo de extinção e resistência identitária são alguns conteúdos marcados no filme 'A Vedação', 

do diretor Phillip Noyce


A disciplina é 'Desigualdades e Cidadania' e os conteúdos passam pelas questões da pobreza, conflitos étnicos e afirmação de identidades dos povos. Passamos pelo México (S. Frias: 2013), depois os Estados Unidos da América; seguimos para os povos da África com algumas inserções na Europa, e chegamos no continente australiano com os Aborígenes, um povo que ainda luta pela afirmação de sua cultura e identidade.


 

Filme A Vedação, apresentado na disciplina Desigualdade e Cidadania, ministrada pela Profª  Drª Susana Garcia no Curso de Doutoramento em Antropologia da Universidade Técnica de Lisboa

Como estudante de antropologia do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa e apaixonado pelo "cinema que nos faz pensar", trago à tona uma recorrente situação que muito tem preocupado pesquisadores e cidadãos sobre as questões do racismo, apresentadas no filme A Vedação, do diretor Phillip Noyce, baeado na história real  da aborígene Molly e sua irmã Dayse, mais a prima Grace. Aqui não há espaço para a apologias da cor, nem tão pouco abro espaço para a palavra 'raça', porque ela não existe como categoria antropológica, embora seja compreendida e atribuída às pessoas, no senso comum, como definição dessa ou daquela 'raça'.

 

A sessão era exclusiva, somente para nós alunos do doutoramento sentados em uma enorme e confortável sala de projeção; lamentei a ausência de uma platéia lotada para depois discutirmos as abordagens da película de 90 minutos. E me lembrei do 'A Cor púrpura', do 'Tomates verdes e fritos' e tantos outros filmes que valeram como escola e público crítico. E agora A Vedação assistido com outro olhar, com outro foco, porque agora há um planejamento sistemático pra cumprir um programa, ao mesmo tempo que 'obriga' a criar conteúdos, liberta-me da obrigação de ser apenas um público contemplador. Valho-me da palavra contemplação neste pequeno texto para reportar-me a ela novamente em sentido mais amplo, quando apenas contemplamos as problemáticas de nossos semelhantes seres humanos, a raça humana, inigualável, e nada fazemos para ajudá-los. 

 

As nações fecham-se em fronteiras, com enormes e gigantescas 'vedações' para não deixar entrar as ameaças que vem do território do vizinho ao lado, de quem está de fora [a culpa sempre é do outro], ao mesmo tempo não deixar fugir 'os coelhos' que somos, presos às leis que nos limita a liberdade de ser, de ir e vir, sem tempo e nem data,  parindo e procriando todos os dias, promovendo, em muitas vezes, explosão demográfica e suas consequências sem planejamento urbano, o caos na população sem competências para se autodisciplinar e viver sem conflitos, sem desconfiança, uma utopia na busca de uma distopia foucoultiana.

 

 

E como se não bastasse, o exercício de domínio dos latifúndios nacionalistas em tempos de guerras, pra não dizer nações invasoras, como demosntração de poder, roubam a 'galinha do vizinho' e põem a culpa na raposa para eximírem-se da responsabilidade ética e étnica de suas ações xenofóbicas do espelho, e se fazem 'superiores' porque chegaram na frente na [in]diferente corrida às novas formas de costumes e novas tecnologias; esqueceram que outras formas de civilização que não estão 'nem aí' pra toda essa dita modernidade, e são tratadas como 'menores', com valores menores, tudo a menor, como fato recortado no filme 'A Vedação'.

 

A mente dominadora do homem dominador não consegue pensar como a mente de quem é dominado ou se deixa dominar, mas também não alcança a dimensão de sua fragilidade de pensar o quão é pequena e restrita quando se trata de valores e direitos humanos; o seu macro universo, ainda que vazio, é rígido, comparado a um grande quadrado de ferro onde ela mesma [a mente dominadora] não consegue libertar-se de seu próprio domínio, prefere oxidar mergulhada na sua soberba e vaidade, na sua realeza, ainda que não tenha. No filme, a recusa de Molley  em ser moldada pela 'elite dominante' é um exemplo de 'ácido sulfúrico' a ser jogado  nessa estrutura oxidante de quem pensa ser 'superior'.

 

Historicamente, a humanidade nos reporta às monarquias e czarismos com seus regimes de conquista e domínio, e nessa trajetória, muitos povos foram dizimados, massacrados e, aos que restaram, dominados. Entre tantos, os aborígenes na Austrália, habitantes primitivos do continente Australiano, com resquícios no Canadá, com risco de extinção, sofreram ações de extermínio por décadas. Reportando-me ao filme, o que se sabe, desde 1886 as mulheres aborígenes eram subtraídas à força de seus grupos para não procriarem com seus pares semelhantes, não amarem, e isoladas em colônias religiosas, [des]"educadas" na cultura branca dominante e entregues às famílias como escravas domésticas, uma tentativa de embranquecimento da população.  Uma espécie de laboratório com projeto financiado pelo governo. A história é real e é contada na voz da protagonista, já idosa.

 

Doris Pilkington resgistrou a história de vida da Aborígene Molley em livro, que se transformou em roteiro por Cristine Olsen, agora o filme que vos apresento. A direção é impecável e não é à toa que o dretor arrancou prêmios dos principais festivais de cinema do mundo como "Melhor Realizador".

 

Sobre o filme, durante a assistência, é difícil deixar de prestar a atenção na técnica de linguagem e narrativa, na fotografia com seus deslizes de 'halo' [raios de sol na lente], mas com brilhantes planos zenitais, dois, e de afastamento, demonstrando por vários momentos a solidão das perssonagens em meio aos seus desertos.

 

Sobre as personagens das meninas, vejo a mão do talentoso diretor nos ensaios das pequenas atrizes, talvez iniciantes, que souberam convencer a platéia na realidade dramática de suas histórias. Um filme terno e dramático que surpreende do início ao fim com poucos recursos cênicos. Eu disse poucos, porém muito ricos!


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