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Uma escola para o olhar
Diariamente somos expostos a um sem número de imagens e sons. Eles vêm de todos os lados: TVs, computadores, celulares. E câmeras, cada vez mais câmeras. Mas as escolas normalmente não preparam crianças para entender a linguagem audiovisual. Será que estamos aptos a produzir, interagir e refletir sobre esse conteúdo? Tudo indica que não: com referenciais restritos, nos tornamos incapazes de responder à avalanche midiática ao redor.
Fundada no fim do ano passado, com patrocínio do Funcultura, a Escola Engenho procura agir nessa lacuna. É um projeto pioneiro, voltado para alunos do ensino público, com idades entre 6 e 12 anos, e realizado por um grupo de cineastas, fotógrafos e técnicos liderados por Mariana Porto. Não se trata de ensinar a fazer um filme. O objetivo é estimular a criticidade e o senso ético e estético das crianças.
“As imagens têm um poder arrebatador”, diz Mariana. “Procuramos ampliar o repertório dos alunos para que eles não sejam reféns e aprendam a se posicionar diante delas”. Como se trata de algo inédito, a busca é sistematizar a própria metodologia. “Nosso foco não é conteudista. Não tratamos o cinema enquanto discurso ou linguagem pura. As crianças não funcionam mediadas pela razão. Elas vêm aqui para brincar. Se usamos palavras demais, perdem a atenção. É um mundo muito concreto. Nesse primeiro momento, nós aprendemos mais do que eles”.
As oficinas deste primeiro ano foram ministradas por Marcelo Pedroso, Thelmo Cristovam, Tuca Siqueira, Gê Carvalho, Ana Lira, Caio Sales e Val Lima. Outros vêm se aproximando do projeto, como Daniel Bandeira. “O cinema é trabalhado enquanto prática, daí a importância de ter pessoas que de fato tenham vivência profissional”, afirma Mariana. “A necessidade de se concentrar, planejar ações e agir colaborativamente são valores que estão sempre em foco, e que nós julgamos edificantes não somente da vida de cada um, mas como pressuposto de convivência”.
Vivência - Inicialmente, as crianças se aproximaram através de um cineclube. Agora, organizam a própria filmoteca. A convivência entre oficineiros, monitores, convidados e as crianças leva a novas experiências. Ivan Pereira, o caçula da turma, adorou assistir ao curta paraibano Sweet Karolyne, de Ana Bárbara Ramos. Se identificou com a pobre galinha, prestes a ser degolada. Em outra aula, usou a câmera para filmar do ponto de vista de um gato, inspirado em Alice no País das Maravilhas. Na aula de som, um estetoscópio foi utilizado para ouvir os sons do corpo e uma história inteira foi contada somente com áudio.
“Nunca tinha sonhado em entrar num estúdio”, diz Daiane de Oliveira, sobre a visita à base da Cabra Quente Filmes. Otávio Campos aprendeu a identificar personagens através de cores: “se ele é calmo é azul, verde ou rosa; estressado, é amarelo, vermelho ou laranja”. “E se é sério, é branco, preto ou cinza”, completa Ruan Torres.
Entre os desafios enfrentados pelas crianças, está a de suportar o silêncio e até mesmo parar de falar para ouvir o outro. “Não dá pra ensinar a viver uma experiência estética, mas sim, a ampliar a sensibilidade. Procuramos algo que extrapola o audiovisual e vai para o campo da cidadania”, explica Mariana.
Quinta-feira passada foi o último dia de aula da primeira turma, no antigo Centro de Treinamento da Sudene, próximo à UFPE. Prevista para o começo do ano que vem, a segunda turma da Escola Engenho reunirá os alunos veteranos, mo papel de guias dos novatos. Vinte vagas estão disponíveis para alunos do ensino público do Engenho do Meio, Roda de Fogo e Sítio das Palmeiras. Mais informações: 8666-3456 e escolaengenho@gmail.com
Depoimentos
"Não achei que dava para aprender a assistir a um filme.
Fui ficando, principalmente, porque aqui eu uso a imaginação”
João Pedro Carvalho
"Quando passa um filme na TV, agora a gente sabe como ele é feito”
Vivian Guimarães
"Em casa, a gente assiste aos filmes e esquece; aqui, a gente conversa e o filme fica na memória”
Dayane de Oliveira
(Diario de Pernambuco, 26/09/2011)
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