sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O PROTAGONISMO DO LIVRO __ Percepções sobre o filme ‘A menina que roubava livros’





[1] Professor Arte-educador, roteirista e documentarista, desenvolve pesquisa na linha de Antropologia Audiovisual com tese em desenvolvimento na Universidade de Lisboa, Portugal.

 

Revi paisagens dos poucos momentos que visitei uma Alemanha contemporânea, o trem que entrei e saí da cidade, do aeroporto à estação central de Berlim. Da janela vi galhos secos do rigoroso inverso com 11 graus negativos e os desérticos campos de neve, parecia o mesmo cenário do filme ‘A menina que roubava livros’, do diretor Brian Percival, do livro homônimo do australiano Markus Zusak.

                         

Veja o trailer
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O encanto pela obra de Zusak me faz revelar sentimentos de amor à arte que abraço, que é o cinema, embora esteja tão longe dessas milionárias produções que merecem nosso respeito e admiração. Mas não me excluo de aprender com esses mestres e arrisco dar o meu palpite como aprendiz e realizador que sou. Antes destaco a participação de renomados atores da dramaturgia cinematográfica, entre os iniciantes talentos mirins, formando um time na escola de conteúdos e narrativas na linguagem audiovisual que estudamos. São eles: Sophie Nélisse, Geoffrey Rush, Ben Schnetzer, Roger Allam, Barbara Auer e a talentosa  e premiada Emily Watson.







O que me intriga, inicialmente, é a presença do narratário dentro do filme; não sabemos quem desenvolve a história em ‘OFF’ que conhece tão bem os personagens e segue até o final sem dar pistas mais claras aos contempladores mais desatentos.  Confesso que não decifrei os códigos apresentados deste esboço dramático com algumas suspeitas que só revelo no final desta percepção.







Há algum tempo não assistia a um filme tão sério, como tão séria é a história de uma menina entregue a uma família de camponeses na aldeia de Molching, na ascendente Alemanha de 1938. Liesel Meminger é analfabeta e aprende a ler as palavras pela necessidade de ter a companhia do pai adotivo, que lhe ensina a compreender o lado humano das pessoas em meio a uma guerra que se inicia e seduz toda uma população à esterilidade literária, queimando livros em praça pública, ordem do general Hitler.







O encontro entre pai e filha desencadeia uma relação de cumplicidade nas noites nevadas do lugar, e a leitura, inicialmente acidentada, passa a ser a razão de ser dos dois personagens que dividem as páginas dos livros que Liesel “rouba” no entusiasmo de aprender a ler. No exercício da aprendizagem, cai em suas mãos o pensamento filosófico de Aristóteles de que “a memória é a escriba da alma”. Emily Watson, a "Mama", denuncia o humano sentimento de cooperação e tem que representar a dureza de um sistema posto e inquestionado, para marter-se viva, como todos os personagens envolvidos naquela história.



A escola do “partido” que Liesel frequenta reproduz uma educação cívica de intolerância e racismo e os alunos cantam a propaganda de um sistema de purificação humana inventado por um grupo político e que manipula a fragilidade de mentes famintas e ávidas por dias melhores. Assim era a Alemanha humilhada ao final da primeira grande guerra e que agora precisa se afirmar diante do mundo, e assim acreditavam.






Amigo de Liesel, o menino Ruddy [é assim que se escreve?] desenha as cenas mais leves do filme, nos mostra a fidelidade de uma amizade e a defesa da inocente paixão entre duas crianças que tentam crescer entre bombardeios e sirenes  nos subsolos, aglomerações aliviadas entre a música de um sanfoneiro e as histórias recriadas em memória pela menina que rouba livros. Os dois guardam um segredo: Max, um judeu que se esconde no porão da casa de Liesel.





As histórias contadas por Liesel no esconderijo fala de um estranho que chega ao povoado em meio à escuridão e que era proibido de contemplar as estrelas, tão pouco o sol, este desenhado na parede. Ele carrega um livro nas mãos, que é cobiçado pela curiosidade da menina, protagonista  de sua própria fábula. Imaginação e realidade se misturam para confundir os ouvintes em vigília das bombas incendiárias que caiam.


De volta à sua fonte de motivação, Liesel ganha de presente um livro com páginas em branco, o mesmo livro carregado pelo estranho que é sobre a 'doutrina de Hitler'. As páginas foram pintadas para destruir imagens e palavras, como um esmalte corretivo que apaga um texto imprestável, e que agora estão prontas para serem reescritas no  desejo de reconstruir uma nova historia. Eles acreditam no poder das palavras e que transformam a vida.


A ação de escrever de Liesel apresenta dois significados que a salva de duas situações: uma é a liberdade da alma que todo escritor e poeta busca no mundo dos aedos; a outra é a blindagem inconsciente de um bombardeio que extermina a aldeia, pois ela sobrevive no porão de sua casa ao escrever, às escondidas, as páginas em branco de sua memória. 

Lembram do narratário do filme? Pois, sim! Suspeito que seja a morte impressionada em compreender a vontade de um homem promover uma guerra e, ao mesmo tempo, incomodada por desejar saber como dela [da guerra] outros homens conseguem sobreviver, e elege Liesel para contar uma história única e inusitada!

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